Ana Paula Pauloni de Freitas e Ana Tada F. B. Antiorio (2020)
Introdução
A administração de substâncias para os animais de laboratório pode ser realizada por diferentes vias como as vias oral, intraperitoneal, subcutânea, intramuscular, intravenosa, intradérmica e intranasal.
A escolha da via é um fator crítico no desenvolvimento do desenho experimental, uma vez que todas elas possuem vantagens e desvantagens. As considerações a serem levadas em conta são inúmeras e incluem fatores como absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos agentes químicos ou terapêuticos; volume a ser administrado; frequência de administração; duração do tratamento; quantidade de animais a serem inoculados; bem como a forma de contenção.
Um dos principais fatores na seleção da via de administração é considerar se o efeito da substância será local ou sistêmico e, neste último caso, se a administração será enteral (através do trato digestivo) ou parenteral (fora do trato digestivo).
Administrações parenterais determinam uma maior biodisponibilização, pois evitam o efeito de primeira passagem do metabolismo hepático (o que normalmente ocorre nas administrações orais).
Quando trabalhamos com pequenos roedores (camundongo, rato) devemos considerar seu tamanho reduzido e alta taxa metabólica, o que faz com que se tornem espécies particularmente sensíveis. Atenção aos sangramentos, pois, devido ao baixo volume de sangue circulante, pequenas perdas sanguíneas podem levar ao choque e a morte rapidamente.
Também deve-se respeitar o período de adaptação do animal ao novo ambiente e às pessoas que irão manipulá-lo (aclimatação), o qual deve ser de no mínimo 10 a 14 dias.
Treinamento é um pré-requisito fundamental para a administração de substâncias por qualquer via.
A equipe que realiza esses procedimentos deve ser experiente e capacitada.
O pesquisador é responsável pelos seus orientados!
Recomendações gerais
- Conhecer as vantagens e desvantagens de cada via de administração é de suma importância visto que a dose da substância que pode ser seguramente injetada dependerá da via utilizada e da espécie animal;
- Pesar os animais para o cálculo correto da quantidade do fármaco a ser empregado;
- Desinfetar o sítio de administração (exceção para a via oral e intranasal) com algodão embebido em álcool 70% e inserir a agulha na pele, com o bisel voltado para cima;
- Usar sempre agulhas e seringas estéreis;
- Conhecer o diâmetro da agulha mais indicada para a via escolhida e a espécie;
- Posicionar o bisel da agulha sempre para cima;
- Sempre usar os Equipamentos de Proteção Individual – EPIs (jaleco, máscara, luvas, touca, propés etc.);
- Manter o ambiente de trabalho livre de ruídos que possam causar estresse nos animais e assim prejudicar os procedimentos;
- Manter o controle da temperatura e da umidade indicados para a espécie na sala de procedimentos (tabela abaixo).
- Proporcionar a contenção e imobilização adequada dos animais para que a administração das injeções seja conduzida sem risco para o pesquisador ou animal.
A contenção pode ser física (para procedimentos rápidos) ou química (para procedimentos demorados ou potencialmente dolorosos).
Para realizar a contenção manual de camundongos, devemos segurá-lo pela base da cauda e apoiá-lo na grade da caixa, com isso o animal tende a segurar a grade com suas patas dianteiras. Com a mão oposta, usando o polegar e o indicador segurar a pele solta do pescoço e com os outros dedos segurar o dorso e a cauda do animal. É importante prender bem a pele do pescoço, para que o animal não consiga virar e morder o manipulador.
Já para a adequada contenção dos ratos, podemos apoiar a mão delicadamente sobre o dorso do animal e envolvê-la abaixo dos membros anteriores. Se necessário, segurar os membros posteriores. Esse método pode ser realizado dentro da caixa ou em cima da grade. Outra forma de contenção consiste em apoiar a mão sobre todo o dorso do animal puxando-lhe a pele com firmeza e com a mão oposta segurar a cauda.
Além da contenção manual, podemos utilizar dispositivos, os chamados contensores artificiais. Esse método de contenção permite que o manipulador fique com as mãos livres para execução dos procedimentos.
Ressaltamos que coelhos nunca devem ser contidos pelas orelhas, pois esta é uma região extremamente vascularizada e sensível e que não suporta o peso do animal. Esta espécie deve ser contida segurando a pele da região cervical, e com a outra mão sustentamos os membros posteriores. A contenção deve ser firme, evitando-se que o animal faça movimentos bruscos e venha a se machucar.
1. Via Oral (VO)
A administração via oral pode ser realizada misturando-se diretamente a substância à comida ou à água potável ou, ainda, por gavagem, onde a substância é introduzida através de uma sonda diretamente no estômago do animal.
A administração pela água de beber ou através do alimento deve ser feita com acompanhamento da ingestão desses, levando-se em conta a quantidade média ingerida por dia. É possível que a substância a ser administrada modifique as propriedades organolépticas levando à alteração no padrão de consumo de água ou ração e impactar negativamente no bem-estar animal e/ou no resultado esperado.
A Tabela 2 traz os valores médios ingeridos para ratos e camundongos adultos.
A administração orogástrica (gavagem), por sua vez, permite a administração da dosagem exata. Uma sonda flexível de polietileno, ou uma cânula rígida de aço inoxidável com extremidade em esfera (agulha ponta-bola), é cuidadosamente introduzida na boca do animal passando pelo esôfago e chegando ao estômago onde o material é dispensado.
Nenhuma resistência deve ser sentida durante a introdução da sonda. Caso isso ocorra, ela deve ser cuidadosamente removida e reposicionada.
Apesar de ser um método preciso poderá representar um risco por ser mais invasivo. O volume da substância que pode ser administrado com segurança, bem como as dimensões do aparato de gavagem dependem do tamanho do animal. Como referência, o volume máximo dado por gavagem é de 1% do peso corporal, ou seja, 1 ml para cada 100g de peso.
A distensão máxima do estômago é no final do período escuro e a quantidade mínima, no final do período claro, nesse sentido, pequenos volumes devem ser administrados no início do período claro (fase de repouso).
Para saber o comprimento adequado devemos medir a distância entre a boca do animal e a última costela, onde está localizada a entrada do estômago.
2. Via Intraperitoneal (IP)
A via intraperitoneal é comumente usada em ratos e camundongos, mas pode ser utilizada em outras espécies. Não é necessária anestesia e a injeção é feita no quadrante abdominal inferior direito.
O animal deve ser contido pelo dorso, tendo a face ventral voltada para cima, em seguida deve-se inclinar o corpo do animal em um ângulo de 45 graus com a cabeça para baixo, essa manobra posicionará os intestinos cranialmente, evitando-se perfurá-lo. Introduzir a agulha no quadrante inferior direito do abdômen em um ângulo de 30 a 45 graus.
Aspirar a seringa para garantir a colocação correta da agulha, qualquer sinal de sangue ou outro fluido no canhão da agulha indica posicionamento incorreto. Administrar a substância em um movimento constante, firme e estável.
Embora injeções IP pareçam seguras, há risco em puncionar o trato intestinal por dificuldade de contenção do animal.
A via intraperitoneal (IP) é uma via que suporta maiores volumes, mas o tecido peritoneal tem grande sensibilidade às substâncias irritantes e menor tolerância às soluções de pH não fisiológicos, podendo levar a um quadro de peritonite.
O volume máximo a ser aplicado em camundongos é de 2 a 3 ml e em ratos é de 5 a 10 ml.
3. Via Subcutânea (SC)
A administração subcutânea é fácil e raramente dolorosa, é uma via comumente usada em todas as espécies. A velocidade de absorção é menor em comparação às vias intraperitoneal e intramuscular, especialmente para soluções oleosas, cuja absorção é lenta. As soluções devem ter pH fisiológico e ser isotônicas.
Os locais de escolha são as áreas dorsolaterais do pescoço, ombros e flancos. Nas administrações de doses múltiplas, recomenda-se a alternância do local de administração.
O volume máximo a ser aplicado em camundongos é de 2 a 3 ml e em ratos é de 5 a 10 ml.
4. Via Intramuscular (IM)
A via intramuscular é usada em roedores para aplicação de pequenos volumes, pois o músculo dos ratos e camundongos é de pequeno porte. É mais comumente usada em coelhos.
A substância é injetada no músculo da porção posterior das patas traseiras (músculo quadríceps), devendo ser direcionada para longe do fêmur e do nervo ciático. A absorção desta via é lenta.
A administração intramuscular pode ser dolorosa porque as fibras estão obrigatoriamente sob a tensão do material injetado.
O volume máximo a ser aplicado em camundongos é de 0,05 ml e em ratos é de 0,3 ml.
5. Via Intravenosa (IV)
É a via em que há a introdução da medicação diretamente na corrente sanguínea, por meio dos vasos superficiais, tendo como vantagem uma rápida absorção.
Para roedores utiliza-se a veia lateral da cauda e para coelhos, a veia marginal da orelha.
A visualização da veia lateral da cauda é facilitada por procedimentos como a imersão da cauda em água morna por alguns minutos ou pelo aquecimento com o uso de uma lâmpada de calor. Iniciar o procedimento a partir do meio da cauda ou orelha, para que tenha disponível outros pontos de injeção, ou seja, se perder o vaso, iniciar um pouco acima do local anterior.
Evitar aspirar pois a veia pode colabar.
Injetar o medicamento lentamente, sempre evitando que a solução extravase da veia.
O volume máximo para camundongos é 0,02 ml e para ratos é 0,5 ml.
Se não for utilizada anestesia, deve-se utilizar um dispositivo artificial de contenção.
Devem ser usados tamanhos e calibres de agulhas compatíveis com a espécie animal, considerando-se o calibre do vaso sanguíneo e a velocidade da injeção.
As soluções aplicadas não devem ser irritantes e o veículo deve ser do tipo aquoso. Nunca se deve administrar substâncias diluídas em veículo oleoso, sob pena de causar êmbolos com a consequente morte do animal.
6. Via Intradérmica (ID)
Geralmente essa via não é recomendada e deve ser restrita aos casos de absoluta necessidade. Recomenda-se que o animal esteja anestesiado para realizar a injeção; realizar tricotomia do dorso do animal; limpar o local com álcool 70%; inserir a agulha na pele, com o bisel para cima, segurando a agulha paralelamente ao plano da pele; não aspirar e injetar o material.
Quando a injeção intradérmica é feita corretamente podemos observar uma pápula com uma ligeira hiperemia ao redor, como na ilustração abaixo.
7. Via Intranasal
O animal deve ser levemente anestesiado e manualmente contido, permanecendo com a cabeça elevada. A ponta da pipeta é posicionada na entrada de cada uma das narinas e, então a solução é administrada lentamente.
O volume a ser administrado para pequenos roedores é de 0,02 ml por narina.
Anexo I
Medidas das agulhas
Anexo II
Vias comuns de administração de substâncias em roedores e lagamorfos
(sítio de administração, máximo de volume aceito e tamanho da agulha)
Bibliografia consultada
- Guide for the Care and Use of Laboratory Animals, 8th edition. National Research Council (US) Committee for the Update of the Guide for the Care and Use of Laboratory Animals. The National Academies Press (US), Washington (DC): 2011.
- RN nº 33 CONCEA, de 18 de novembro de 2016. Baixa o Capítulo “Procedimentos – Roedores e Lagomorfos mantidos em instalações de instituições de ensino ou pesquisa científica” do Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais em Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica – CONCEA, 2016.
- RN nº 30, de 02 de fevereiro de 2016. Diretriz brasileira para o cuidado e a utilização de animais em atividades de ensino ou de pesquisa científica: DBCA – CONCEA, 2016.
- RNº 25, de 29 de setembro de 2015. Baixa o Capítulo “Introdução Geral” do Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais para Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica do Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal – CONCEA, 2015.
- Washington State University Institutional. Oral Gavage In Mice And Rats. Standard Operating Procedure (SOP). Animal Care and Use Committee. Washington: 2015.
Disponível em: https://iacuc.wsu.edu/documents/2016/06/wsu_sop_10.pdf/ - TURNER, P.V.; BRABB, T.; PEKOW, C.; VASBINDER, M.A. Administration of Substances to Laboratory Animals: Routes of Administration and Factors to Consider. Journal of the American Association for Laboratory Animal Science, v. 50, n.5, p. 600-613, 2011.
- Boas Práticas em Experimentação Animal – Procedimentos em Roedores de Laboratório – USP. Disponível em: http://bpeanimal.iq.usp.br/