Karina Toledo | Agência FAPESP – O conhecimento científico acumulado nos últimos 20 anos – particularmente durante o período em que o avanço do vírus zika no Brasil e no mundo foi considerado Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2016 – qualificou a comunidade acadêmica de São Paulo para enfrentar um desafio ainda maior: a pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).
Com o objetivo de agilizar o financiamento de pesquisas sobre o tema, a FAPESP possibilita aos pesquisadores apoiados redirecionar recursos, pessoas e materiais de projetos vigentes ao combate da COVID-19. Além disso, a Fundação lançou no dia 21 de março uma chamada de proposta que oferece recursos adicionais para auxílios vigentes que redirecionem parte de seu esforço de pesquisa para contribuir de forma significativa ao entendimento e à superação do risco representado pelo vírus SARS-CoV-2. O prazo para submissão de projetos vai até 22 de junho e as propostas serão analisadas à medida que forem recebidas.
“Basta pedir a mudança do plano de pesquisa, informando o redirecionamento de recursos já aprovados e, eventualmente, solicitando um suplemento, que pode incluir uma bolsa de pós-doutoramento, e vamos analisar rapidamente. Esta situação requer atenção e dedicação substantivas por parte dos pesquisadores, daí a possibilidade do redirecionamento de atividades. A emergência é grande”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.
O edital, divulgado em 21 de março, disponibiliza até R$ 10 milhões suplementares para redirecionar projetos em andamento – nas modalidades Temático, Jovens Pesquisadores, Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) e Centros de Pesquisa em Engenharia (CPEs) – para a compreensão, redução de risco, gestão e prevenção da COVID-19 e seu agente causador.
Entre os tópicos de interesse estão desenvolvimento de testes diagnósticos e de candidatos terapêuticos; estudo da atividade antiviral de fármacos já existentes; investigação das características epidemiológicas do novo coronavírus, como potencial de transmissão, interação com outros patógenos, suscetibilidade do hospedeiro, período de incubação e potencial mutagênico; estudo de aspectos críticos da infecção, como replicação, patogênese e transmissão; pesquisa em procedimentos clínicos e indicadores de prognóstico; avaliação da resposta imune; e projetos baseados em ciências sociais que contribuam para compreender e influenciar o comportamento da sociedade durante a crise pandêmica (de modo a minimizar atitudes que dificultem o combate à doença).
“Os temas especificados na chamada de propostas surgiram de conversas entre a Fundação e a comunidade acadêmica, que tem trazido sugestões nas últimas semanas”, conta Brito Cruz à Agência FAPESP.
Experiência bem-sucedida
A estratégia de agilizar o fomento a pesquisas em temas urgentes por meio da concessão de aditivos e do redirecionamento de projetos em andamento foi adotada pela FAPESP de maneira inédita na virada de 2015 para 2016, quando o Brasil foi pego de surpresa pelo vírus zika.
Na época, os cientistas estavam focados em combater a dengue e preparavam-se para uma eventual epidemia de febre chikungunya, considerada altamente debilitante. O zika era, até então, visto como um vírus benigno, causador de uma espécie de “dengue light”. Tudo mudou quando veio à tona sua possível associação com os casos crescentes de microcefalia na região Nordeste (leia mais em agencia.fapesp.br/22671/ e agencia.fapesp.br/22679/).
Com apoio da FAPESP, pesquisadores paulistas se articularam e formaram a Rede Zika, por meio da qual foram conduzidos projetos que ajudaram a desenvolver métodos para diagnóstico e vacinas experimentais, a entender como o vírus afeta o cérebro em desenvolvimento e a mapear fatores genéticos associados à maior suscetibilidade à microcefalia. Um dos resultados mais recentes foi a comprovação, em cachorros, do potencial do vírus zika de combater tumores no sistema nervoso central (leia mais em: agencia.fapesp.br/32727/).
“Além de contribuir com resultados de pesquisa para o enfrentamento do vírus, a experiência com a Rede Zika trouxe um aprendizado para a FAPESP e para a comunidade científica, que agora consegue responder diretamente a esse novo desafio”, afirma Brito Cruz.
Como exemplo, o diretor científico da FAPESP mencionou o grupo coordenado pela professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Ester Sabino, que sequenciou em apenas 48 horas o genoma do SARS-CoV-2 isolado em um dos primeiros pacientes diagnosticados no país. Para isso, os pesquisadores usaram uma tecnologia portátil de sequenciamento – conhecida como MinION – que vinha sendo implementada no país para estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e zika (leia mais em: agencia.fapesp.br/32637/).
“Essa iniciativa é modelar: bem antes de haver uma situação de emergência a pesquisadora estabeleceu parceria com a Universidade de Oxford [Reino Unido] e criou o CADDE [Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus] justamente para ter a infraestrutura pronta quando fosse necessária. É dessas infraestruturas que se cria torcendo para não precisar usar em emergência, mas sabendo que um dia vai precisar”, avalia Brito Cruz.
O diretor da FAPESP faz um paralelo com o investimento feito em 2002 para a criação da Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN), constituída por 18 laboratórios dedicados a estudar variedades genéticas de vírus (leia mais em: agencia.fapesp.br/3784/).
“A ideia, na época, foi criar uma base de conhecimento e preparar os pesquisadores para enfrentar novos desafios. A capacidade da ciência de contribuir para questões como a pandemia de COVID-19 depende do que foi construído nos últimos 20 anos, tanto em termos de pessoas treinadas como de infraestrutura. E a comunidade de pesquisa paulista e brasileira tem como responder agora porque estudou e pesquisou o assunto anteriormente e criou redes de pesquisa mundiais, que hoje consegue acessar para obter colaboração”, afirma.
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Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.